domingo, 30 de junho de 2013

A grande Freita...

Em 2012
A Serra da Freita dita "leis", atreve-se a desafiar a fina flor dos nossos trailistas para aquele que é sem dúvida o mais duro Trail que se efectua no Continente e convida os outros, que sonhando, conseguem superar-se e mostrar que face ás dificuldades impostas caminham com o seu contributo heroico para confirmar que o Trail em Portugal está bem enraizado desde que lhes deem as condições mínimas de participação.
 O Ultra Trail da Serra da Freita ontem realizado superou tudo o que de rudeza e dificuldades é imposto aos atletas, ontem viu-se a magia da Freita e todos os que lá estiveram a participar poderam viver ao vivo o que é um Trail de extrema dureza só superado pelos melhores mas que estejam também embebidos de grande espírito de sacrifício e mental, quem não tiver estes condimentos é melhor nem pensar em pôr lá os pés. Não estou sequer a falar pela experiência vivida por mim que findou quando atingi os 40 kms e que contarei mais à frente, mas sim daquilo que vi na zona da meta, depois do meu resgate, com a chegada dos sobreviventes desta extraordinária aventura. Dos cerca de 240 atletas que partiram mais de 100 ficaram pelo caminho (entre os quais me incluo), daqui se poderão tirar algumas ilações que não têm só a ver com o aumento do grau de dificuldade, especialmente a partir dos 40 kms, mas também da temperatura do ar que era elevadíssima e que se fez sentir, principalmente para a 2ª metade dos atletas presentes que por demorarem mais tempo estiveram mais sujeitos ao inferno abrasador que se sentiu nos vales e encostas da Serra. Este é um fenómeno incontrolável e que nenhuma Organização deseja, fizeram o seu trabalho e no briefing da véspera da prova todos os alertas foram feitos, todos assimilaram os riscos, incluindo a extrema dureza do percurso com riscos elevados mas controlados e o problema do calor, exceptuando raras ocorrências em determinadas zonas do percurso todos se fizeram acompanhar dos meios indispensáveis à sua aventura.
Era notório o nervosismo de muitos estreantes nesta prova, quer na véspera quer na linha de partida, não raras vezes ouvia alguns a comentar que o máximo de treino que fizeram não ultrapassara os 35 kms muito pouco para uma Freita pujante e em crescendo, e era nestes que residia a maior preocupação da Organização e rapidamente isso ficou bem patente logo que foi dada a partida esquecendo-se muitos deles que tinham 70 kms pela frente e uma montanha mágica e cruel que iria ser fatal inapelavelmente para a maioria deles face à sua ousadia inicial.
A extraordinária organização colocada no terreno para apoiar os atletas foi de tal modo gigante e determinante para o sucesso da prova, socorristas, enfermeiros, médicos foi uma constante em todos os postos de abastecimento e em zonas móveis que careciam de maior vigilância, dando assim tranquilidade a quem dificilmente ia conseguindo superar os brutais obstáculos que lhes aparecia pela frente, tudo estava quase perfeito, só algo estranho à organização poderia impedir que todos os que partiram não chegassem à linha de meta. Então porque é que desistiram mais de 100 atletas? O calor foi determinante, apesar dos abastecimentos colocados no terreno pela organização em quantidade suficiente e da muita água pura e cristalina que encontrámos constantemente nos rios que percorremos não foi suficiente para amenizar os efeitos do sol, com a agravante de uma deficiente preparação para uma prova de elevada dureza, quase a raiar o extremo, como é a Freita. A Organização teve de responder, a meu ver muito bem, face ás características da Serra da Freita, no resgate dos atletas desistentes, alguns deles logo aos 20 kms, aos 30, aos 40 (aqui foram muitas dezenas, onde estou eu também), aos 50, 60 e 65 kms(último controlo eliminatório). Foi necessário uma gigantesca operação para fazer frente a isto, felizmente a Organização previu os malefícios que o calor iria provocar aos atletas em prova na Ultra quando se encontrassem em plena serra e muniu-se de meios para acudir e resgatar de quem precisasse de ajuda. Era cerca da uma hora da manhã quando concluíram o resgate de todos os atletas, ainda assim ouve um que ficou por lá perto dos 55 kms que desistindo, deu conta disso por interposta pessoa, cometeu um pecado terrível em Trail que saindo da rota da prova dificulta ao máximo a sua recuperação, acabou por regressar pelos seus próprios meios ao ponto de partida, uma lição a tirar para muitos e para todos!
A Freita é isto, é espetacular, o resto são os atletas que têm de fazer o espetáculo, todos têm a obrigação de se auto avaliar se reúnem condições para ali estarem, para muitos só o calor não é explicação, a isso alia-se também a condição física deficiente e na Freita com o actual traçado é dramático para as aspirações de alguns que é chegar ao ponto de partida (também me incluo neste sonho).
A gestão do esforço tem de ser feita desde os primeiros metros, a Freita é brutal com os seus 4,200 metros de desnível + as grandes dificuldades começam a aparecer só a partir dos 22/23 kms, (a mim disseram aos 30 kms que a prova ia começar a partir dali), a nossa função e empenho é correr e desfrutar daquilo que colocam à nossa disposição em plena Natureza, por isso não é demais lembrar o que representa para a Organização (neste caso a da Freita) uma atitude menos pensada quando decidimos participar numa aventura extrema como esta sem estarmos nas melhores condições.
Renovo aqui os meus parabéns à Organização nas pessoas do Moutinho e da Flor Madureira e a todos os que estiveram sempre mais perto de nós do terreno, só não voltarei se não sentir capacidades físicas suficientes para partir e chegar à meta.
Deixo aqui também uma palavra para os heróis, e foram muitos, desde o Luís Mota que ganhou até ao último que chegou já para além da meia noite. A Freita atingiu um grau de dificuldade este ano como nunca tinha tido nas edições anteriores, não adianta desabafar como já li uma frase que diz muito mas de forma enviesada , "Dureza estupidamente extrema", este ano a Organização foi extremamente profissional naquilo que fez em relação à prova, não se discute se era fácil ou difícil, uma prova de Trail com as características da Freita não pode ter um figurino único senão perde o seu encanto, a superação das capacidades de cada atleta passa por isso mesmo, é sempre um desafio permanente.

CONTINUAÇÃO...

2 comentários:

Jorge Branco disse...

Excelente texto amigo Joaquim Adelino. Estou a ver que a organização montou todos os meios de segurança tendo em conta as dificuldades extremas da provas.
Quando os meios estão ao mesmo nível do desafio que a prova representa tudo está bem.
Se a prova era muito dura só lá foi quem quis.
Havendo meios técnicos que permitam acompanhar a dureza que o traçado da prova apresentava ninguém se pode queixar!
Fico à espera da continuação do relato.
Forte abraço

Fernando Andrade. disse...

Grande aventura, amigo Adelino. Gostas é disto! Fico feliz porque vejo que continuas a medir bem as tuas capacidades: se podes, continuas, se não podes, arreias e está tudo bem na mesma. Assim é que consigo compreender a tua perseverança nestes desafios duríssimos. Peço-te desculpa por não te ter feito companhia ainda este ano. Pelo menos até à Póvoa das Leiras, outra vez. Fiquei-me pela suavidade das Fogueiras. Grande Abraço.