terça-feira, 2 de julho de 2013

A "Minha" Freita!

Chego ao Parque de Campismo de Merujal na Serra da Freita a meio da tarde de 28 de Junho, o objetivo era participar no Ultra Trail que estaria no terreno no dia seguinte a partir das 05,30h. Antes tinha estado ainda em casa com todo o cuidado a preparar todo o equipamento e alimentação para não ter problemas durante a realização da minha prova, a máquina fotográfica também ficou a "zeros" e carregada por forma a que pudesse trazer o maior número possível de recordações da Freita, tudo estava a postos e a meio da manhã arranco pelas estradas nacionais a caminho da Freita ajudado pelo GPS que me levaria em poucas horas até ao Merujal.
Após a montagem do meu espaço para dormir e descansar tenho ainda tempo para conviver um pouco com o casal Orlando Duarte e a sua simpática esposa (que tiveram a amabilidade de partilhar o seu jantar comigo). Um pouco antes de sentar à mesa combino com o Orlando irmos levantar o Kit da prova, para isso era preciso mostrar o material obrigatório que teríamos de transportar durante toda a prova, vou à Tenda e qual não é o meu espanto não vejo o Camelbeck, vou de novo ao carro e nada, tendo imediatamente concluído que ficara em casa, entro em parafuso porque sem aquele material não posso entrar na prova, (camelbeck, manta de sobrevivência, corta vento, geles, apito) e para piorar as coisas estava sem dinheiro para eventualmente comprar ali algum material de substituição, o sistema de pagamento automático não funcionava porque não havia rede, então tive de me deslocar cerca de 10 kms até encontrar uma caixa multibanco, consegui reunir o indispensável para levantar o dorsal mas sabia que ia partir fragilizado para a prova, não só porque não transportava alimento suficiente mas também porque o descanso iria ser afetado por este lamentável incidente. Para cúmulo verifico que a máquina fotográfica também ficou em casa, que dia!!!!
A ventania durante a noite era infernal, as árvores largavam um som muito intenso impelidas pelo forte vento deixando-me poucas epóteses de dormir um pouco, pelas 4 da manhã resolvo começar a preparar as coisas por forma a que quando chegasse a hora de partida estivesse tudo em ordem.
Na partida encontro muitos amigos, de entre eles estava o Carlos Coelho que tal como eu ia fazer mais uma tentativa de retornar ao ponto de partida, hoje é que é! trocamos de pensamento com esta ideia fixa de confiança.
Os primeiros kms têm um "mamar doce" a dar a ideia a muitos que aquilo ia ser fácil, e não foi preciso muito para começar a vê-los a entrar em ritmos elevados prevendo-se que mais tarde iriam sofrer consequências devido a essa ousadia, por isso saí mais lento e fiquei confortavelmente no 3º terço do pelotão sem me preocupar muito com o lugar mas sim com o objetivo de alcançar os pontos eliminatórios dentro dos limites impostos. Até ao Rio Paivô (18 kms) ouve poucas alterações ao percurso que foi feito sem dificuldades de maior mas assim que entrámos no rio as coisas modificaram-se logo, durante quase 3 kms foi escolher o melhor caminho, ora seria em cima de rochas ora por dentro da água pejado de pedras soltas de alguma dimensão, (o ano passado saí de lá muito maltratado com várias quedas que me levaram ao Hospital de Arouca para tratamento no final da prova), por isso estava avisado e desta vez fui mais cuidadoso, é ali que me chego ao Carlos Coelho, tinha já caído várias vezes e estava muito dorido, ele reafirma-me a vontade de acabar a prova e então eu sigo, olho para trás e assisto a uma nova queda, ele levanta-se e segue, pouco depois com o contornar do rio perco-o de vista e nunca mais o vejo. Numa das partes bem difícil de contornar as rochas e quando via outros atletas com dificuldades em superar esses obstáculos eu ia pela água a pontos de andar enterrado até ao pescoço. A água estava a uma temperatura excelente, o sol já queimava, aqui e ali bebia daquela água pura e cristalina e voltava a molhar o equipamento para refrescar o corpo, principalmente a cabeça, mais à frente encontro o Moutinho no meio do Rio numa altura em que seguiam atletas pela margem esquerda e outros pela margem direita (era o meu caso) havia ali fitas também mas era o lado errado para seguir, de imediato isso foi corrigido, pouco depois saio do Rio exatamente no mesmo local onde no ano passado caíra, estavam lá dois rapazes não sei se para prevenir, mas por certo estariam ali vigilantes para qualquer eventualidade de acidentes.
O 1º abastecimento ali estava aos 20 kms, água e fruta com fartura e vi também uma coisa que muito me agradou, assistência médica com socorrista e enfermeiro, de resto foi assim em todos os postos de abastecimento e controlo, dando desta forma mais confiança a todos os que fizeram questão de participar nesta prova de resistência física e mental.
A partir deste local a prova começou a endurecer por trilhos espetaculares até chegar a Regufe, uma Aldeia habitada e muito bonita  que atravessámos a caminho da Drave, uma montanha bem difícil de subir com muita pedra solta e com o sol já a castigar com alguma violência, o vento era nulo e quando chego ao cume estou quase a 750 metros de altitude. Dali vejo quase toda a panorâmica onde decorrerá toda a prova nos próximos 15 a 20 kms, é assustador, não é uma imagem nova para mim mas aquilo faz brilhar os olhos de tanta beleza. Fixando melhor a visão consigo visualizar em pontos minúsculos os atletas espalhados ao longo do percurso desenhado pelas encostas e vales daquela Serra, vou agora descendo por um largo estradão passo por um grupo ainda numeroso de caminhantes, ignoraram simplesmente a nossa passagem (pelo menos pela minha) e não raras vezes tinha de me desviar para as bermas para poder passar, a descida é violenta e os joelhos começam a ficar massacrados pelo esforço nas descidas, avistava-se já o local dos 30 kms onde haveria mais um abastecimento, aqui volto a encontrar o grupo dos amigos lá do Norte, Rui Pinto e João Meixedo, de novo a simpatia de quem lá estava, aqui apenas se  disponibilizou o abastecimento de líquidos, por isso a paragem foi rápida e de imediato entrámos de novo no rio, aqui e ali podia-se correr um pouco (10 a 20 m no máximo) as dificuldades iam em crescendo, disseram-me aos 30 kms que agora é que a prova ia começar, sabia que isso iria acontecer a partir do momento que saíssemos do rio para perfazer o trilho dos Aztecas, este rio que iria ligar um pouco mais à frente ao rio Paivô em determinadas alturas fazem-me subir e descer enseadas complicadíssimas de transpor. Observam-se constantemente lagos artificiais que parecem ser de água estagnada mas que com uma observação mais atenta revela que a água circula numa corrente constante por baixo das pedras e rochas alimentando os lagos seguintes tornando-os aos nossos olhos como se fossem de cristais brilhantes. O Azteca aparece e com ele subimos agora uma tremenda parede, vou de novo com os amigos do Norte, um do grupo cai no rio, fica queixoso e leva algum tempo para recuperar e segue serra acima, vou atrás dele observando ao mesmo tempo alguns atletas que já seguiam bem lá no alto tornando ainda psicologicamente as coisas mais difíceis, a água que transporto aquece rapidamente, já sabe mal ingeri-la, o organismo começa a recusar tudo, tento comer umas passas de uvas mas pouco ajudou, lá bem no alto deste trilho está uma nova nascente de água, bem fresca por sinal, substituo a água que levo e inicio a descida de novo até ao rio, arrepia-me o que vejo pela frente no outro lado do rio, estava a 600m de altitude, ia descer até aos 450m para depois voltar a subir até aos 830m. Vejo minúsculas figuras a subir a Garra a partir do rio a caminho do trilho dos Íncas que fica lá bem no alto junto ás antenas, desço pela encosta mas o acesso ao rio é feito de forma muito cautelosa, uma queda ali é fatal correndo-se o risco de se ferir seriamente. Molho de novo a cabeça em pleno rio e tento beber mais água mas o organismo continua a resistir, sigo mais um pouco pelo rio e inicio então a subida à Garra, aquela que seria a derradeira subida e que determinou a minha desistência. Nesta altura estava instalado naquele vale um autêntico forno que se foi acentuando com a subida ao alto da garra, inclinação quase a 35% num descampado e com o sol a bater quase a pique, a progressão começou lenta, a primeira parte da subida por ser tão inclinada não nos deixava os ver atletas que seguiam lá mais para cima, quando eram avistados era o desânimo por estarem tão longe e por desejarmos já lá estar também, rapidamente comecei a ficar enfraquecido e sem forças, era um passo muito lento de cada vez, o calor que vinha de baixo dada a proximidade com o solo e o que vinha do sol transformou aquilo numa autêntica fritadeira, bebia água tentando minimizar os problemas mas a sede não passava e a água parece que vinha fervida a alta temperatura, passo por um rapaz que estava sentado e exausto, dou-lhe uma palavra de alento mas nada, sigo e pouco depois dou com outro de pé em vias de desmaiar, entretanto os amigos do Norte passam todos e é a última vez que os vejo, a cabeça já não tem tino e decido ali não continuar após chegar ao controlo dos 40 kms, faltavam ainda cerca de 3, continuo a subir já não tenho outro objetivo que não seja chegar à Póvoa das Leiras e ficar por lá a recuperar da fadiga que já levo, esta subida já a fiz duas vezes (o ano passado estava fresco e não fazia sol tendo eu conseguido chegar até à Castanheira (65kms), subir 300 m de acumulado positivo em 50 minutos que não tem quase nada de técnico mas apenas a sua dureza pela forte inclinação é demais e revela que não estaria bem para continuar em prova. Já vinha desde os 30 kms sem correr e assim continuei até aos 40. A exaustão, a fadiga e o cansaço determinaram este desfecho, cheguei ainda dentro dos planos que eram as 9h de prova naquele local, restavam-me ainda 7,5h para terminar os outros 30, seria suicídio continuar, bastava apanhar com a "Besta" para acabar com o resto desnecessariamente.
Ficou o sonho mais uma vez adiado, contudo tenho a noção que este objetivo será inalcançável, a menos que se conjuguem uma série de fatores mais favoráveis  para a sua concretização.
Parabéns a toda a organização, depois de há 1 ano ter aqui escrito algumas fazes atribuladas da minha passagem pela Freita apraz-me escrever agora o quanto foram profissionais no apoio aos atletas nesta edição de 2013. Longa vida ao Ultra Trail  Serra da Freita.

3 comentários:

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

Admirável Adelino!!!

"...tenho a noção que este objetivo será inalcançável" Então??? Tenho a certeza que para o ano "se conjuguem uma série de fatores mais favoráveis para a sua concretização", como o Adelino diz e ainda vai cortar essa meta!!!

O facto de ter deixado coisas essenciais em casa foi logo por certo um factor de stress que também não ajudou nada.

Agora..bom repouso (ai que bem que se devia de estar nessas palhinhas deitado) e agora é pensar no próximo objectivo e continuar a gozar do prazer da Corrida!

Beijinho Adelino

António Almeida disse...

Companheiro
parabéns pela "sua" Freita e acredito que numa próxima vez se conjuguem uma série de factores que o levem a terminar...
Abraço.

Jorge Branco disse...

Saber quando se deve parar é algo só ao alcance dos mais bem preparados, dos grandes campeões!
Para o ano o amigo Joaquim Adelino vai cortar essa meta!
Forte abraço.