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Para a próxima já vai correr a meu lado |
Esta edição da Ultra Maratona de Melides a Tróia ontem realizada tinha tudo para eu conseguir fazer finalmente uma prova onde não encontrasse nada de relevante a que obstasse a que fosse bem conseguida, mas isso nós nunca vamos conseguir saber sem partir e conhecê-la por dentro, podemos estar muito bem, com a moral altíssima, com a temperatura ambiente excelente, tudo é imprevisível por isso para a maioria de nós as respostas começam a aparecer logo que começamos a dar as primeiras passadas, para outros, iludidos pela esperança de bons resultados aventuram~se à procura da sua sorte mas rapidamente tomam consciência da dura realidade sobre o que representa uma prova duríssima como aquela.
Descobrir que uma prova para ser dura não precisa de andar a correr por vales e montanhas basta participar nesta prova, ali encontra tudo: areia seca e solta mas também molhada e mais consistente, plano inclinado sempre para o lado esquerdo, sol abrasador, vento de Norte (desta vez arrastanto consigo o calor sufocante), auto-suficiência de líquidos (até aos 28,5kms) e sólidos para todo o trajecto de 43kms é, diga-se pôr à prova a resistência humana, é por isso que muitos são traídos pelo seu voluntarismo e muito cedo tomam consciência que as coisas não são tão fáceis como parecem. Esta prova está a crescer tendo 365 atletas terminado este ano, muitos deles provavelmente nem sequer leram os regulamentos e por isso desconheciam, ou não tomaram as devidas previdências sobre os avisos e as restrições que a Organização foi lançando durante a preparação da prova. Foi triste ir vendo de vez em quando lixo, muito lixo, pela praia fora: garrafas de plástico e pacotes de gel vazios eram deixados naquele extenso e bonito areal que compôe toda a costa de Melides a Tróia, resta-me a esperança que quem emporcalhou aquilo faça um exame de consciência e perceber que não está a fazer uma prova de estrada onde tudo é permitido, este espaço é de jurisdição marítima e tal como na montanha temos de o preservar sob pena de num futuro próximo ser-nos interditada.
Tal como previa esta prova para mim foi um suplício, desde a partida vi logo que aquilo ia doer, levei 4 gels e 4 nugats para comer e 2 litros de água (meio litro ia numa farrafa), havia quem levasse bananas, maçãs, sandes, bolos e muitas outras coisas, mas eu achei que era suficiente o que levava para ir enganando o estõmago ao longo da viagem, levava ainda os ténis pendurados no camelback pois optara por correr novamente com meias neoprene. Logo que partimos optei por correr na areia seca e solta e evitei aproximar-me da água, as neoprene são muito eficazes na areia mas quando fazem incursão pela água vão enchendo até que de vez em quando tenho de me deitar, levantar a perna e esvaziar a água, fui durante os primeiros kms ali por cima mas depois comecei a observar que quase todos os outros andavam lá por baixo e aproximei-me, vi então a autêntica auto-estrada que a maré quase vazia nos oferecia, nem exitei pois nunca tinha visto nas edições anteriores que participei tão boas condições para correr. Nesta fase já tinha a confirmação que não podia esperar muito do meu desempenho, algo de estranho se passava, as pernas estavam bem mas não recebiam do restante organismo o correspondente impulso, arrastava-me e com uma pista daquelas as coisas deveriam ser diferentes, o meu pensamento levava-me a Portalegre e à Freita e a outras de menor dimensão mas que foram acumulando algum esforço dispendido e também algum cansaço, na Freita caí pelo menos 10 vezes, em duas delas deixaram mossa que me impuseram cerca de 3 semanas quase sem treinar, por isso não era de estranhar as dificuldades que já ia sentindo quando cheguei ao 1º posto de controlo, estavam decorridos 5,5kms de prova com o tempo de 43m, nada mau mesmo assim, mas eu sabia que lá mais para a frente isto iria piorar. Alcanço o Carlos Coelho e deixo-me ir ali com ele algum tempo, é então que começo a perceber que tinha de enfrentar a realidade e vejo-o ir embora novamente e decido meter um ritmo muito lento de forma aque consiga chegar dentro do horário limite imposto pela organização. Aos 20 kms tenho já gasto 3,02h, estava razoável e estava a beneficiar com as boas condições na areia que se mantinham e se prolongariam até ao Carvalhal, local onde assinalava os 28,5km e se encontrava o 1º e único abastecimento do percurso (só um litro de água por atleta), cheguei aqui com 4,02h e já tinha ultrapassado de novo o Carlos que vinha já em grandes dificuldades.
Descansei durante 10m, neste meio tempo atestei o camelback com 1 litro de água que me deram, tirei as neoprene (os pés começavam a ficar duridos por baixo) e calcei as meias de compressão e os ténis que levava ás costas, a diferença foi notória pois os pés ficaram mais confortáveis mas mesmo assim acho que fiz uma boa opção, já por ali via muitos a transportar os ténis nas mãos e a correrem descalços. Depois parti novamente com esperança que aquela paragem tivesse contribuído para recuperar um pouco as forças que de há muito vinham a faltar, foi ilusão de pouca dura, depois com a agravante de a maré já estar a encher e por consequência a auto-estrada também acabou e a progressão fazia-se agora em areia mais solta, o calor era abrasador, falava-se em 34 graus, o vento que vinha de frente era moderado e arrastava consigo uma aragem muito quente, as meias de compressão e os ténis tornavam agora os pés muito quentes, o estômago já custava a aceitar os gels, apenas ingeri 2 e os nogats enrolavam já na boca seca, a desidratação já impedia a existência de saliva e esta é indispensável à dissolvição e encaminhamento dos alimentos até ao estômago. Aos 30kms dicidi molhar os ténis, era já insuportável o calor que sentia nos pés e comecei a caminhar, terminava ali a minha corrida não valia a pena tentar contra o impossível, lembrei-me nesta altura do Fernando Andrade que tinha bloqueado há 2 anos mais ou menos naquele local e apenas arranjou forças para prosseguir caminhando. Aos 35 kms já levo 5,25h de prova e aos 39kms falta-me a água, já tinha consumido 2,5L. ela já estava muito quente mas havia agora começavam as preocupações, lembro-me então que ainda levava de reserva 0,5L dentro do camelback, tiro-a e logo verifico que aquilo era capaz de dar para coser algumas batatas, mas era melhor do que nada, sempre que queria beber um pouco descia até à água do mar refrescava-a um pouco, perdia ali 2/3 minutos, repeti a cena mais 4 ou 5 vezes mas pouco importava, não queria era prolongar para além do suportável as dificuldades em que já ia. Finalmente avisto a meta a menos de 1 km, a praia esta pejada de gente, procuro passar pelo meio ou espaços que tenho de procurar, aqui e ali um incentivo mas a maioria ignora, inicio uma breve corrida 200m no máximo e volto a andar para de novo já em linha de reta para a meta voltar a correr, baixo a cabeça a areia está seca e mole, ouço chamar olho e vejo a minha pérola mais recente, o David estava ali, olhava-me estranhamente mas logo me estente os braços pego nele e procuro levá-lo comigo até à meta, com ele ao colo tento dar mais uns passos de corrida, tinha a meta a 50 metros, mas desisto não tenho mais forças entrego-o de novo à mãe e sigo para a meta, para a próxima não vou perder nova oportunidade, nem que vá de rastos até lá chegar. Finalmente atingi a meta ao fim de 6, 48,37h para perfazer os cerca de 43,600kms que o meu cronómetro marcou.
Já se escreveu e eu também já li, fortes críticas (creio que construtivas) quanto ao fornecimento de água pela organização, aceito as regras impostas mas a organização terá de ponderar, e poderá salvaguardar no Regulamento essa possibilidade, de reforçar a dose de água que dá aos atletas ao km 28,5 em dias onde o calor se faz sentir de forma quase extrema. Trata-se de uma prova aberta a todos que põe como única condição a sua conclusão em 8 horas. A esmagadora maioria faz aquilo até ás 4,5h mas os restantes podem estender-se até ao limite de tempo, isto levanta um problema grave de saúde que é a falta de ingerir líquidos quando deles mais precisa, as horas de mais calor vão incidir a apartir das 4,5h de prova e nas actuais condições estamos a brincar com a nossa saúde. Vou voltar a Melides e gostava que a Organização fosse sensível a este apêlo, partimos normalmente com 1,5l de água no camelback, bastava no abastecimento do Carvalhal abastecerem-nos na mesma proporção de água, isto é, 1,5L de água numa só garrafa, quem quisesse levaria o 1,5L nos recipientes que transportam e acabaria assim desta forma o abandono de garradas que se encontram espalhadas pela praia por gente incapaz de contribuir para a manutenção de um ambiente limpo e saudável. Se assim não for vou preparar um garrafão de 5 litros para levar ás costas e dispensarei ajuda no Carvalhal, há 2 anos implorei por mais água e foi-me negada com o protexto do Regulamento, aos 40kms esgotou-se a que levava e não gostei!!!
Agora é tempo de descansar activamente pois no início de Agosto vamos ter nova guerra, agora em Óbidos.
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