terça-feira, 30 de julho de 2013

Ultra Maratona da Areia, Melides/Troia

Andava aqui ás voltas a ver como começaria esta minha crónica sobre a minha participação na Ultra Maratona da Areia Melides/Troia e eis que caiem duas respostas a um comentário que fiz no Blogue da Ultra Maratona pertença da Câmara Municipal de Grândola, que me deixaram um pouco aborrecido por não ter sido exato com a opinião que dei em ambas as situações, uma desclassificação e uma data que não estava certa. Sobre a data dou de barato, até porque o anónimo (medroso) que publicou foi pouco simpático no que disse e nem sequer merece resposta da minha parte, exatamente por ser medroso. Sobre a desclassificação de uma atleta, para o caso a vencedora das duas últimas edições e recordista da prova, tenho de pedir desculpa à Organização da prova e também à própria atleta por ter afirmado que fora desclassificada pela Organização por conduta anti desportiva. Ora tal não corresponde à verdade, conforme recebi a informação de um amigo assim a publiquei no Blogue da Organização como certa, o que lamento, a atleta em questão ao fim de duas horas de prova desistiu por falta de água, para não cometer uma falta que levaria à sua desclassificação e também por não subverter o espírito da prova optou por desistir. Uma atitude irrepreensível que se saúda e que devia ser seguida e interpretada por todos, um grande exemplo.
E por falar em água muito pensei eu durante a semana como é que haveria de levar água suficiente por forma a que chegasse ainda "vivo" aos 28,5 kms de prova onde seria dado o único abastecimento de água em todo o percurso, as experiências recentes da Freita e do Almonda sobre as altas temperaturas que nos castigaram fortemente serviram como alerta para esta prova com as caraterísticas únicas que tem, pensei e resolvi congelar durante 3 dias a água do recipiente do camelbek (1,5l) e mais duas garrafas pequenas, conforme o gelo ia derretendo ia bebericando e assim consegui chegar ao abastecimento ainda com gelo para derreter, acrescentado o litro que me deram não tive mais preocupações até final da prova.
Chovia quando cheguei ao barco em Setúbal, eram 5,30h, logo pensei que iriamos ter um dia em cheio para correr, muitas nuvens e o vento era praticamente nulo, mas a chuva foi de pouca dura e ao partirmos para Troia não mais tivemos a sua visita até ao final do dia.
Ás 7,30 estávamos a chegar a Melides e rapidamente tratei de levantar o kit, antes de lá chegar um prego (creio que era o único que ali estava) destruiu-me um dos ténis deixando-me os dedos à vista, por sorte salvaram-se os dedos e pude fazer a prova sem mais problemas.
O campioníssimo Carlos Lopes marcou presença novamente, quer na partida quer na chegada, mas ao contrário dos outros a sua presença não me suscita grandes entusiasmos (e fui dos que estive noite dentro a assistir àquela sua brilhante vitória nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984) e a razão é simples: enquanto não me devolverem o preço da inscrição da última Maratona que teve o seu nome e a cancelaram vou olhar sempre com algum desagrado a sua presença, não é pelo valor em dívida mas sim pelo gesto sem que se preocupassem a explicar a razão de tal atitude. Pode ser um dia ele explique isso muito bem explicadinho.
Já me tinha soado que o piso no areal estava muito diferente em relação à última edição, todos nós sabemos, (pelo menos aqueles que são mais assíduos) que de ano para ano o mar transforma aquilo a seu belo prazer e por isso nunca sabermos o que vamos encontrar, desta vez essa realidade voltou a impor-se desde os primeiros metros logo a seguir à partida, por norma aquelas dificuldades iniciais até aos 5/6 kms são já do nosso conhecimento e raras vezes se altera mas aquilo que fomos encontrar creio que nunca tinha acontecido e as dificuldades iniciais transformaram-se numa distância até perto dos 20 kms, brutal, é assim que se poderá catalogar tão difícil progressão.
Em 2010 a baixa mar quase que não existiu e tivemos de correr bem acima até perto dos 30 kms, este ano para além da baixa mar ter ficado 1 metro acima do nível mínimo ainda tivemos o areal com forte inclinação muito solto e ondulado junto à rebentação dificultando a vida a todos os atletas que procuravam diversas vias para poderem correr ou andar ao longo da praia.
Aos 4 kms fui enrolado por uma onda num dos socalcos mais baixos que chegavam a ter pelo menos 1 metro de desnível, a água entrava e numa das vezes fui apanhado em cheio, fiquei de cabeça para baixo mas sem correr qualquer riscos, depois segui sempre ora junto à água ora por cima da areia seca onde era quase impossível correr, pelo menos para mim.
Com duas horas de prova tinha 11 kms percorridos, muito pouco para quem tinha de perfazer os 43 finais até ás 8 horas impostas pela organização, isto atestava as dificuldades que o percurso estava a ter na progressão dos atletas, creio que todos se lamentavam pelas mesmas razões e no final não raras vezes ouvia os queixumes de muitos a dizer que pelo menos uma hora tinham perdido em relação ao ano anterior!
Chego aos 28,5 kms com 4,45h e começo a ficar descansado quanto ao tempo final, parei só o tempo suficiente para abastecer o depósito com 1 litro de água que me deram, manifestamente pouco e que teria de gerir até final, ainda conservava comigo uma garrafa de 2,5 dl. cheia, pelo que parti tranquilo para o que restava da prova, fisicamente estava bem, apenas os rins me doíam quando forçava mais um pouco quando corria, a temperatura do ar estava muito boa, o sol era filtrado pelas dispersas nuvens que permanentemente iam sobrevoando lá bem no alto, o vento era fraco mas aparecia de sudoeste nada ajudando a refrescar um pouco a temperatura do corpo, as ondas eram muito agressivas não permitindo grandes veleidades a quem optava por correr perto da rebentação, de vez em quando descia até à água e refrescava os pés, era uma sensação muito boa e parecia que rejuvenescia a cada instante, a areia por sua vez ia enchendo os espaços livres existentes nos ténis obrigando-me a parar para vazar e deixar os pés livres de novo, ao longe vou avistando a Serra da Arrábida
conforme a neblina matinal se vai desfazendo, em frente vejo um fio interminável de areia que circundava pela esquerda num nunca mais acabar, aqui e ali tenho uma ou mais companhia, de curta duração porque cada um de nós procurava sempre a melhor via para superar tanta dificuldade. A parte mais ocidental da Serra da Arrábida surge agora bem à nossa esquerda mas conforme vamos andando ela está sempre ali no mesmo sítio e parece que nós não andamos nada, de frente já se vê bem o monte onde tantas vezes já pisei nas provas de trail organizadas pelos amigos das Lebres do Sado, começa a delinear-se visualmente o fim do areal, puro engano, chegado lá ainda falta percorrer mais 7 kms até à meta, é um serpentear constante de praias a partir de Soltroia e era também ali que estava o último posto de controlo. Os 40 kms surgem ainda nem se avistava o Pórtico da chegada, tinha esgotado ali o tempo que levara a fazer toda a prova o ano passado, mas isso pouco importava, neste ponto ia na companhia da Dina Mota e mais alguns atletas que tentei, sem êxito, acompanhar até à meta ali a 3 kms. Confesso que nesse momento só queria chegar e antes de cortar a meta dar 1º um mergulho e depois então seguir calmamente para o risco de chegada, mas não sei como a Dina conseguiu dissuadir-me deste intento cortando sozinho a meta e com imensa satisfação por o ter conseguido. O banho no mar ficou adiado para o ano seguinte, se conseguir lá chegar.
A receção foi excelente, consegui fazer aquela parte final a correr, aquilo custa pois trata-se areia muito solta e já não somos capazes de grandes proezas quando ali chegamos mas aquele risco mágico da chegada e à muito desejado dá-nos alento para correr aqueles 200 metros finais.
O salão ao ar livre e bem coberto onde permitiram que fizéssemos a nossa recuperação era excelente, bebidas à descrição fruta com muita fartura, com uvas, melancia, melão e outras iguarias foi do melhor que há para ajudar-nos a recuperar daquela maratona de areia, foi a 4ª vez que me sentei ali e espero ter forças e saúde para sentar uma 5ª vez, depois logo se vê!
7,11,49h (tempo oficial) para a distância no meu cronómetro de 43,740km, média de 9,53m. por km.
Correndo-se à beira mar talvez custe a acreditar mas no final tinha um desnível acumulado de 142 metros (68+74-), os imensos e constantes socalcos (bem visíveis no arquivo do Google) ao longo da costa pelo track registado nesta prova).

Agradeço a simpatia dos amigos que me enviaram as fotos aqui publicadas e à A.M.M.A. da qual aqui publico uma das suas fotos que registaram â minha chegada à meta.
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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Trail do Almonda, 7 de Julho de 2013

Não percebo muito bem, ou quase nada, como é que foi possível fazer provisões de que o Verão este ano não existiria ou estaria adiado lá mais para o fim do ano. Não gosto do calor e nestes dois últimos fins de semana, sem contar com os dias úteis entre eles, ele tem estado insuportável. Pergunto-me se haverá alguém que goste disto, provavelmente até haverá mas isso será por certo outra história.
Para quem como eu escolheu preencher este fim de semana, e já agora também o anterior, para correr não teve muita sorte, a Freita e agora o Trail do Almonda foram terríveis com temperaturas acima dos 40 graus positivos, Almonda chegou mesmo aos 44º!!! É verdade que estávamos avisados e a maioria precaveu-se para amenizar os seus efeitos já que eliminar os seus malefícios durante a competição é impossível. Levei o meu camelback cheio com água gelada na esperança que chegasse até ao fim, contava ainda com os muitos abastecimentos que colocaram à nossa disposição para entretanto saciar a sede de forma mais acentuada.
Na partida deste Trail do Almonda era visível algum nervosismo, mas também muito otimismo, nos rostos dos participantes que iriam fazer o Trail, o calor já era muito ás 9h. quando foi dada a partida, vi lá muitos amigos que tinham estado na Freita comigo na semana anterior, esta prova para muitos deles serviu como um desacelerar de kms e dificuldades acumuladas e por isso gostei imenso de voltar a encontra-los, entre eles estava o campeão da Freita, Luís Mota.
Como sempre faço fiz a minha corrida quase sempre a sós, gosto de correr à vontade e confortável, ás vezes a simples presença de alguém obriga-me a ficar pressionado com o desenvolvimento do meu esforço, normalmente é sempre para mais, mas sempre que é possível gosto de correr acompanhado quando os objetivos são traçados com antecedência e numa entreajuda que seja útil para todos.
O percurso foi ligeiramente alterado na primeira parte do percurso, creio que para bem melhor, e por isso deixámos de ir à nascente do Rio Almonda, acho que não se perdeu nada e evitámos aquela descida infernal logo aos 2 kms de prova onde se chegava a perder cerca de 10 minutos para os mais atrasados, desta vez corremos sempre por trilhos nesta parte inicial onde nos primeiros 12 kms as dificuldades foram mínimas. Os abastecimentos, principalmente o 1º aos 7 kms, foram excelentes onde se destacava para mim a melancia e a água, únicos mantimentos que ingeri ao longo de toda a prova.
Desde início que comecei a presenciar muitas dificuldades de alguns atletas, ainda antes dos 12 kms um atleta lutava contra a fricção nas pernas, corria arqueado, tinha escolhido um equipamento nada adequado a esta prova e com este calor, viria a desistir aos 23 kms. Antes dos 12 kms a Analice passa por mim naquele correr curto mas muito constante, dei-lhe um pouco de água fresca que gostou imenso, levava apenas uma pequena garrafa na mão. Após o abastecimento dos 12 kms inicia-se a 1ª subida à Serra D'Aire que nos levaria até aos 545m de altitude, a meio começo a ter problemas de articulação, as mãos incharam e quase não a consigo fechar, procuro esticar os dedos para ajudar a circulação e melhora um pouco, corria/andava agora a subir num trilho coberto entre arvoredo muito bonito e onde o sol conseguia mesmo assim penetrar e atingir-nos com a sua agressividade constante. O piso dos trilhos era agreste com muita pedra pequena, muitas delas soltas que dificultava a progressão, foi assim durante todo o percurso, os ténis que levei cedo mostraram que não eram os mais adequados, eram moles demais por baixo e ali quer-se um piso de sola bem rijo para amenizar os efeitos malignos nos pés e nas articulações, não levava também os bastões por avaria de um deles antes da partida e o cansaço nas pernas obrigam-me a descer até aos 17 kms com calma e devagar na companhia de um ocasional amigo que me acompanhou até ao abastecimento dos 17kms.
Aqui encontro o Mário Lima, estranhei vê-lo ali porque ele seguia muito à minha frente, abasteço e parto levando comigo o Mário, pouco depois o 1º engano, em vez de sair do estradão e entrar no trilho vou em frente, cerca de 300m, e arrasto alguns 5 comigo, na ausência de fitas voltamos atrás e reentrámos no trilho, o Mário começa aí a dar os primeiros sinais de dificuldades e fico com ele mais um pouco, dizia-me que as férias que teve foram nefastas para esta prova, em determinada altura disse-me para seguir e rapidamente perdi-o de vista, faltariam aí uns 12 kms para terminar, soube depois que desistira por problemas de desidratação, efeitos por certo do tremendo calor que se fazia sentir.
Precioso em dias de calor
Pouco depois atinjo o início da subida da Serra que nos levaria de novo ao topo no seu ponto mais elevado a 668 metros, continuava com problemas graves nas minhas mãos, junto ás articulações dos dedos os inchaços são bem visíveis, não sei se isto tem alguma coisa a ver com o calor e a desidratação ou se é mesmo problema da circulação do sangue devido a altitude, já na Freita sentira o mesmo e as condições de altura e calor eram as mesmas, volta e meia estico os dedos e a coisa melhora um pouco mas continuo com dificuldades em fechar as mãos, é com este problema que me irei debater até chegar à meta. Subo agora a caminho do abastecimento dos 23kms, aos 22 falta-me a água, o calor no planalto era tórrido e sem água temia o pior, facilitei no abastecimento anterior e pensava que tinha mais água no camelback, ia junto de mais 3 atletas e por isso ia mais tranquilo, o abastecimento aparece junto ás antenas um pouco antes de se iniciar a descida final da Serra, ali já se encontravam alguns desistentes, muitos não resistiram e no abastecimento anterior (17kms) já vira lá muitos desistentes pelas mesmas causas. Desço com muito cuidado, já tinha atestado de água e ia mais tranquilo, o trilho é muito técnico, quem chega ali com algumas forças faz a descida bem o que não era o meu caso, ia lento e quase sempre a andar, a meio sou ultrapassado por 2 atletas do meu Clube que tinham optado por fazer uma prova de contenção desde o início e seguiam agora mais decididos, ainda me tentaram levar com eles mas eu já não reunia condições para outros andamentos e fui descendo conforme podia. Aos 23kms novo abastecimento e mais desistentes à espera de serem resgatados, a partir dali apenas teria mais uma dificuldade para ultrapassar, mas o calor era demasiado e a vontade de terminar era enorme pelo que pouco depois prossegui com outro tremendo erro, não abasteci o camelback pensando que tinha ainda bastante água até chegar ao final. Um pouco antes de iniciar a subida final vejo um colega de equipa a desistir, o Fernando Silva trás de volta até ao posto de abastecimento anterior o José Moga por problemas derivados do calor e a consequente desidratação, espero pelo Fernando e seguimos os dois até à meta, a subida e depois a descida deram cabo do resto, as articulações dos joelhos e os pés também não ajudam nada, mais à frente novo engano 300 metros a acrescentar à contabilidade final, faltam 2kms para a meta e nova falta de água, valeu-me ali o Fernando que me cedeu uma garrafa pequena, o ambiente está sufocante, andamos até perto da meta e aproveitamos os últimos metros para encetar uma pequena corrida e cortar a meta já próximos da exaustão. Comi mais uns bocados de melancia e sentei-me um pouco à sombra, depois sigo e meto-me debaixo do chuveiro exterior conforme estava, tiro depois o equipamento e volto ao chuveiro precisando de cerca de meia hora para arrefecer o corpo, visto-me e vou almoçar, líquidos porque a refeição ficou lá, o estomago não aceitava quase nada a não ser líquidos mas a pouco e pouco tudo começou a normalizar, incluindo as mãos que voltaram ao normal pouco depois de chegar. Para o ano contamos ter melhor tempo e permitir desfrutar melhor esta magnífica prova.
No meu registo andei cerca de 31 kms tendo gasto 5,33,20h. depois de corrigido após a chegada.
Parabéns à organização pela excelência do apoio que nos deram indo ao ponto de colocarem um depósito de água por volta dos 26kms no alto da última subida permitindo que nos refrescássemos um pouco numa zona tão crítica para muitos, excelente.



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terça-feira, 2 de julho de 2013

A "Minha" Freita!

Chego ao Parque de Campismo de Merujal na Serra da Freita a meio da tarde de 28 de Junho, o objetivo era participar no Ultra Trail que estaria no terreno no dia seguinte a partir das 05,30h. Antes tinha estado ainda em casa com todo o cuidado a preparar todo o equipamento e alimentação para não ter problemas durante a realização da minha prova, a máquina fotográfica também ficou a "zeros" e carregada por forma a que pudesse trazer o maior número possível de recordações da Freita, tudo estava a postos e a meio da manhã arranco pelas estradas nacionais a caminho da Freita ajudado pelo GPS que me levaria em poucas horas até ao Merujal.
Após a montagem do meu espaço para dormir e descansar tenho ainda tempo para conviver um pouco com o casal Orlando Duarte e a sua simpática esposa (que tiveram a amabilidade de partilhar o seu jantar comigo). Um pouco antes de sentar à mesa combino com o Orlando irmos levantar o Kit da prova, para isso era preciso mostrar o material obrigatório que teríamos de transportar durante toda a prova, vou à Tenda e qual não é o meu espanto não vejo o Camelbeck, vou de novo ao carro e nada, tendo imediatamente concluído que ficara em casa, entro em parafuso porque sem aquele material não posso entrar na prova, (camelbeck, manta de sobrevivência, corta vento, geles, apito) e para piorar as coisas estava sem dinheiro para eventualmente comprar ali algum material de substituição, o sistema de pagamento automático não funcionava porque não havia rede, então tive de me deslocar cerca de 10 kms até encontrar uma caixa multibanco, consegui reunir o indispensável para levantar o dorsal mas sabia que ia partir fragilizado para a prova, não só porque não transportava alimento suficiente mas também porque o descanso iria ser afetado por este lamentável incidente. Para cúmulo verifico que a máquina fotográfica também ficou em casa, que dia!!!!
A ventania durante a noite era infernal, as árvores largavam um som muito intenso impelidas pelo forte vento deixando-me poucas epóteses de dormir um pouco, pelas 4 da manhã resolvo começar a preparar as coisas por forma a que quando chegasse a hora de partida estivesse tudo em ordem.
Na partida encontro muitos amigos, de entre eles estava o Carlos Coelho que tal como eu ia fazer mais uma tentativa de retornar ao ponto de partida, hoje é que é! trocamos de pensamento com esta ideia fixa de confiança.
Os primeiros kms têm um "mamar doce" a dar a ideia a muitos que aquilo ia ser fácil, e não foi preciso muito para começar a vê-los a entrar em ritmos elevados prevendo-se que mais tarde iriam sofrer consequências devido a essa ousadia, por isso saí mais lento e fiquei confortavelmente no 3º terço do pelotão sem me preocupar muito com o lugar mas sim com o objetivo de alcançar os pontos eliminatórios dentro dos limites impostos. Até ao Rio Paivô (18 kms) ouve poucas alterações ao percurso que foi feito sem dificuldades de maior mas assim que entrámos no rio as coisas modificaram-se logo, durante quase 3 kms foi escolher o melhor caminho, ora seria em cima de rochas ora por dentro da água pejado de pedras soltas de alguma dimensão, (o ano passado saí de lá muito maltratado com várias quedas que me levaram ao Hospital de Arouca para tratamento no final da prova), por isso estava avisado e desta vez fui mais cuidadoso, é ali que me chego ao Carlos Coelho, tinha já caído várias vezes e estava muito dorido, ele reafirma-me a vontade de acabar a prova e então eu sigo, olho para trás e assisto a uma nova queda, ele levanta-se e segue, pouco depois com o contornar do rio perco-o de vista e nunca mais o vejo. Numa das partes bem difícil de contornar as rochas e quando via outros atletas com dificuldades em superar esses obstáculos eu ia pela água a pontos de andar enterrado até ao pescoço. A água estava a uma temperatura excelente, o sol já queimava, aqui e ali bebia daquela água pura e cristalina e voltava a molhar o equipamento para refrescar o corpo, principalmente a cabeça, mais à frente encontro o Moutinho no meio do Rio numa altura em que seguiam atletas pela margem esquerda e outros pela margem direita (era o meu caso) havia ali fitas também mas era o lado errado para seguir, de imediato isso foi corrigido, pouco depois saio do Rio exatamente no mesmo local onde no ano passado caíra, estavam lá dois rapazes não sei se para prevenir, mas por certo estariam ali vigilantes para qualquer eventualidade de acidentes.
O 1º abastecimento ali estava aos 20 kms, água e fruta com fartura e vi também uma coisa que muito me agradou, assistência médica com socorrista e enfermeiro, de resto foi assim em todos os postos de abastecimento e controlo, dando desta forma mais confiança a todos os que fizeram questão de participar nesta prova de resistência física e mental.
A partir deste local a prova começou a endurecer por trilhos espetaculares até chegar a Regufe, uma Aldeia habitada e muito bonita  que atravessámos a caminho da Drave, uma montanha bem difícil de subir com muita pedra solta e com o sol já a castigar com alguma violência, o vento era nulo e quando chego ao cume estou quase a 750 metros de altitude. Dali vejo quase toda a panorâmica onde decorrerá toda a prova nos próximos 15 a 20 kms, é assustador, não é uma imagem nova para mim mas aquilo faz brilhar os olhos de tanta beleza. Fixando melhor a visão consigo visualizar em pontos minúsculos os atletas espalhados ao longo do percurso desenhado pelas encostas e vales daquela Serra, vou agora descendo por um largo estradão passo por um grupo ainda numeroso de caminhantes, ignoraram simplesmente a nossa passagem (pelo menos pela minha) e não raras vezes tinha de me desviar para as bermas para poder passar, a descida é violenta e os joelhos começam a ficar massacrados pelo esforço nas descidas, avistava-se já o local dos 30 kms onde haveria mais um abastecimento, aqui volto a encontrar o grupo dos amigos lá do Norte, Rui Pinto e João Meixedo, de novo a simpatia de quem lá estava, aqui apenas se  disponibilizou o abastecimento de líquidos, por isso a paragem foi rápida e de imediato entrámos de novo no rio, aqui e ali podia-se correr um pouco (10 a 20 m no máximo) as dificuldades iam em crescendo, disseram-me aos 30 kms que agora é que a prova ia começar, sabia que isso iria acontecer a partir do momento que saíssemos do rio para perfazer o trilho dos Aztecas, este rio que iria ligar um pouco mais à frente ao rio Paivô em determinadas alturas fazem-me subir e descer enseadas complicadíssimas de transpor. Observam-se constantemente lagos artificiais que parecem ser de água estagnada mas que com uma observação mais atenta revela que a água circula numa corrente constante por baixo das pedras e rochas alimentando os lagos seguintes tornando-os aos nossos olhos como se fossem de cristais brilhantes. O Azteca aparece e com ele subimos agora uma tremenda parede, vou de novo com os amigos do Norte, um do grupo cai no rio, fica queixoso e leva algum tempo para recuperar e segue serra acima, vou atrás dele observando ao mesmo tempo alguns atletas que já seguiam bem lá no alto tornando ainda psicologicamente as coisas mais difíceis, a água que transporto aquece rapidamente, já sabe mal ingeri-la, o organismo começa a recusar tudo, tento comer umas passas de uvas mas pouco ajudou, lá bem no alto deste trilho está uma nova nascente de água, bem fresca por sinal, substituo a água que levo e inicio a descida de novo até ao rio, arrepia-me o que vejo pela frente no outro lado do rio, estava a 600m de altitude, ia descer até aos 450m para depois voltar a subir até aos 830m. Vejo minúsculas figuras a subir a Garra a partir do rio a caminho do trilho dos Íncas que fica lá bem no alto junto ás antenas, desço pela encosta mas o acesso ao rio é feito de forma muito cautelosa, uma queda ali é fatal correndo-se o risco de se ferir seriamente. Molho de novo a cabeça em pleno rio e tento beber mais água mas o organismo continua a resistir, sigo mais um pouco pelo rio e inicio então a subida à Garra, aquela que seria a derradeira subida e que determinou a minha desistência. Nesta altura estava instalado naquele vale um autêntico forno que se foi acentuando com a subida ao alto da garra, inclinação quase a 35% num descampado e com o sol a bater quase a pique, a progressão começou lenta, a primeira parte da subida por ser tão inclinada não nos deixava os ver atletas que seguiam lá mais para cima, quando eram avistados era o desânimo por estarem tão longe e por desejarmos já lá estar também, rapidamente comecei a ficar enfraquecido e sem forças, era um passo muito lento de cada vez, o calor que vinha de baixo dada a proximidade com o solo e o que vinha do sol transformou aquilo numa autêntica fritadeira, bebia água tentando minimizar os problemas mas a sede não passava e a água parece que vinha fervida a alta temperatura, passo por um rapaz que estava sentado e exausto, dou-lhe uma palavra de alento mas nada, sigo e pouco depois dou com outro de pé em vias de desmaiar, entretanto os amigos do Norte passam todos e é a última vez que os vejo, a cabeça já não tem tino e decido ali não continuar após chegar ao controlo dos 40 kms, faltavam ainda cerca de 3, continuo a subir já não tenho outro objetivo que não seja chegar à Póvoa das Leiras e ficar por lá a recuperar da fadiga que já levo, esta subida já a fiz duas vezes (o ano passado estava fresco e não fazia sol tendo eu conseguido chegar até à Castanheira (65kms), subir 300 m de acumulado positivo em 50 minutos que não tem quase nada de técnico mas apenas a sua dureza pela forte inclinação é demais e revela que não estaria bem para continuar em prova. Já vinha desde os 30 kms sem correr e assim continuei até aos 40. A exaustão, a fadiga e o cansaço determinaram este desfecho, cheguei ainda dentro dos planos que eram as 9h de prova naquele local, restavam-me ainda 7,5h para terminar os outros 30, seria suicídio continuar, bastava apanhar com a "Besta" para acabar com o resto desnecessariamente.
Ficou o sonho mais uma vez adiado, contudo tenho a noção que este objetivo será inalcançável, a menos que se conjuguem uma série de fatores mais favoráveis  para a sua concretização.
Parabéns a toda a organização, depois de há 1 ano ter aqui escrito algumas fazes atribuladas da minha passagem pela Freita apraz-me escrever agora o quanto foram profissionais no apoio aos atletas nesta edição de 2013. Longa vida ao Ultra Trail  Serra da Freita.